A energia eólica é o destaque na entrevista desta semana do CANAL DA ENERGIA. Nesta exclusiva, conversamos com a presidente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, que está à frente da entidade desde 2011.
Ao CANAL DA ENERGIA, ela faz um raio-X do atual cenário da energia eólica no Brasil, com atenção especial ao protagonismo do Rio Grande do Norte dentro do processo de crescimento do setor eólico nacional.
Elbia Gannoum também trata de legislação e dos próximos passos a serem dados para o fortalecimento da energia eólica offshore no país.
Boa leitura.
CANAL DA ENERGIA – O Brasil se tornou uma espécie de a menina dos olhos de grandes investidores do setor eólico mundial. O potencial é inegável, mas o país ainda patina em termos de legislação. O que pode ser feito no sentido de melhorar o ambiente e impulsionar a industrialização verde?
ELBIA GANNOUM – O Brasil, na realidade, é um país que tem um grande potencial de atratividade de investimentos devido aos seus recursos naturais e renováveis, não só no setor de energia de forma geral, mas também na energia eólica, energia solar, também em outras fontes. Além de outros setores, como a bioeconomia, a nossa indústria mineral… Então, o Brasil é realmente um dos países mais atrativos do mundo em termos de investimento devido aos seus recursos naturais. E, com esse movimento muito forte das economias, principalmente a partir de 2020, período pós-pandemia, de retomada econômica verde e da política industrial verde, o Brasil se torna ainda mais interessante para os investidores. Inclusive, as empresas do setor de petróleo têm interesse em fazer investimentos em energias renováveis. E aí, o Brasil é o locus de investimento para isso. Agora, ao dizer que ele ainda patina em legislação, depende. Depende de que setor a gente está falando, porque, no caso do setor eólico onshore, que são essas usinas que a gente tem. Inclusive, o Rio Grande do Norte tem o maior potencial instalado. Então, do ponto de vista de eólica onshore a gente vai muito bem obrigada.
CE – Em que se pode basear essa conclusão?
EG – No ano passado, saiu o relatório recente do GWec (Conselho Global de Energia Eólica), mostrando que o Brasil bateu o recorde de instalação em energia eólica e foi o terceiro país que mais investiu em energia eólica. Então, nessa perspectiva, o país está muito bem. O que é que está faltando? O que está faltando agora é o Brasil se preparar com as novas tecnologias que estão surgindo, e estão surgindo muito rápido, para que ele também seja pioneiro e avance. Então, no caso da offshore, que é uma tecnologia razoavelmente nova, ela está se tornando mais competitiva agora. À medida que ela se torna mais competitiva, ela se torna interessante para o Brasil. Porque se não for competitiva, não é interessante, e o Brasil tem muito recurso. Então, o país precisa organizar a legislação para a eólica offshore, para o hidrogênio verde, que é também tecnologia nova, e o Brasil precisa avançar também na regulamentação do mercado de carbono, porque ele será um importante indutor de consumo de energia renovável. Então ele vai aumentar o nosso mercado que já é grande. E essa regulamentação é a que está faltando.
CE – Mas essa regulamentação está atrasada?
EG – Não é que ela está atrasada nem que esteja patinando. O Brasil seguiu uma trajetória interessante e hoje a gente tem, inclusive, um projeto de lei no Congresso Nacional, tanto para a eólica offshore quanto para o mercado de carbono. O que a gente teve, no ano passado, foram eleições, mudança de governo e a gente sabe que isso acaba atrapalhando um pouco. É natural do processo. Mas agora a gente está com governo novo, com ânimo novo e essa pauta está circulando fortemente tanto no Ministério da Fazenda –semana passada, o ministro Fernando Haddad anunciou um pacote – quanto no Ministério do Desenvolvimento Indústria, Comércio e Serviços, o ministro Geraldo Alckimin também muito interessado, a ministra Marina Silva (Meio Ambiente), naturalmente. Então, essa pauta, ela já está no momento, e ela deve avançar fortemente, até porque o próprio Congresso Nacional está muito interessado.
CE – O país ocupa atualmente a sexta colocação entre os que maior capacidade instalada e o terceiro que mais investe em energia eólica no mundo. Com todo o potencial de que dispõe, até por ser o 5º maior em território e 16º em litoral, é possível que, em alguns anos, possamos ocupar o top três do ranking mundial?
EG – Lá na frente, talvez. Não sei se top 3, porque a Índia é um país enorme, e não dá para comparar com Índia, Estados Unidos e China. Hoje, a China é o primeiro, segundo é os Estados Unidos e ninguém vai pegar a posição deles. Eles são enormes. Eles são dez vezes maiores em termos de mercado. Mas, talvez, uma quarta ou quinta posição, sim.
CE – Dados recentes da WoodMac estimam que a capacidade global de energia eólica alcançará o primeiro TeraWatt neste ano. Como o Brasil se posiciona cenário?
EG – O Brasil é um dos países que mais contribui para isso, porque, ele saiu da 15ª posição lá em 2012 e, em dez anos, pulou nove posições, é o terceiro que mais investe, e já tem bastante tempo. Então, o Brasil é um dos países que mais contribui para esse cenário de um Tera que a gente deve alcançar agora no mês de junho.
CE – A energia eólica é a segunda fonte de energia na matriz energética nacional e a Abeeólica tem uma expectativa de que o recorde de 4 GW instalados no ano passado seja quebrado, com o Brasil alcançando 29 GW de capacidade instalada até o final deste ano. Quais são as bases para esta expectativa tão otimista da associação?
EG – Na verdade, não é expectativa e tampouco otimista. São dados. A gente trabalha com dados reais. Essa curva que a gente apresenta é a curva de crescimento, e ela está associada aos contratos que são assinados e as instalações que são feitas. A gente teve uma trajetória de contratação de 2 GW ano até 2017 e, a partir de 2018, essa contratação passou para 4GW ao ano. Então, o que está nessa curva reflete a contratação e reflete o que está em construção. Então não é expectativa. É real. Está construindo, está assinando contrato, está vendendo e está construindo. Então vai levar a esse número maior mesmo. Em 2021, a gente fez 3.8 GW, agora foi 4.02 GW e deverá ser um número superior a esse aí.
CE – Dos 890 parques eólicos instalados no Brasil, 85% estão na Região Nordeste, sendo que o estado do Rio Grande do Norte figura como líder em produção de eólica do país. Como você definiria o papel do estado dentro das perspectivas de crescimento do setor para os próximos anos?
EG – Eu sempre falo, principalmente com os governadores do Nordeste, que o recurso natural, a região tem, e é o Nordeste todo. Então, o que diferencia os estados entre si é justamente as condições que o governo local traz. Não só o governador, mas também as prefeituras, porque existe todo um regulamento para se fazer offshore. As questões das licenças ambientais, etc. Agora, a gente percebe que tem órgãos ambientais que são mais lentos e isso atrapalha muito os projetos. Quando você tem um estado aparelhado, com as características e as instituições que funcionam, que são céleres, esse estado ele tende a andar na frente do outros, então, é uma coisa que não precisa de incentivo nem nada. O único incentivo é você ter as instituições que realmente funcionam e que são céleres e que são preocupados com o investidor, que estão preocupadas em trazer o sinal adequado para o investimento.
CE – E você afirmaria que o estado do Rio Grande do Norte cumpre esse papel de estimulador?
EG – Sim. Por isso que a gente tem tido esse resultado.
CE – O estado possui potencial elevado no caso da eólica offshore. Qual o cenário e expectativas para os anos vindouros no Brasil?
EG – No offshore, a gente precisa, primeiro, ter a regulamentação. A partir da regulamentação, a gente vai ter os leilões de cessão. E, a partir desse leilão de cessão, os associados, os investidores, eles vão poder fazer os seus primeiros estudos ambientais para fazer projetos offshore. Só que hoje, do jeito que está, o potencial está na costa inteira do Brasil. Então não dá para dizer, de antemão, qual estado vai sair na frente, porque depende de muitas variáveis que vão acontecer ao longo do período.
CE – Quais os principais gargalos para que os investimentos no setor tenham início?
EG – Não tem gargalo. Porque, isso que eu gosto de frisar: quando você está construindo um processo, você está construindo a primeira regulamentação para offshore, como está fazendo para hidrogênio, nós temos degraus que temos que avançar, e hoje, a gente está no degrau de legislação. Mas eu não posso chamar isso de gargalo, é um processo.
CE – Ainda sobre o protagonismo do Rio Grande do Norte, o Estado concluiu estudo de viabilidade do Porto Indústria Verde. A previsão é que comece a ser construído ainda este ano. Qual a importância de um empreendimento dessa natureza para a exploração da energia eólica no mar e exportação de outros produtos, como o Hidrogênio Verde?
EG – Olha, um porto para projetos offshore, até para onshore, ele é importante. Mas para projetos offshore, se você não tiver porto, você não faz o projeto. Porque são estruturas enormes que precisam, realmente, de um porto indústria, que é nesse modelo que o Rio Grande do Norte está estudando fazer. Então, se você não tiver uma infraestrutura de portos, dificilmente você consegue deslanchar com projetos offshore. Eu sempre falo para a governadora (Fátima Bezerra) que o fato dela não ter o porto agora, não é tão grave ainda, porque os projetos estão começando. Há tempo para ela fazer e alcançar essa possibilidade de fazer projetos offshore.