Na entrevista deste domingo (16), o Canal da Energia conversa com a diretora da Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip), Karine Fragoso.
No bate-papo, ela aborda aspectos da transição energética e enfoca o papel do petróleo e gás no novo cenário da demanda por descarbonização.
Também fala do protagonismo de Mossoró (RN) na retomada do onshore do Brasil e ressalta a importância das operadoras independentes nas novas oportunidades no mercado de petróleo e gás brasileiro.
Confira.
CANAL DA ENERGIA – A transição energética no Brasil é uma realidade. As energias renováveis, como a eólica, a solar e o hidrogênio verde estão no radar dos grandes investidores, seguindo uma tendência mundial. Como fica o setor de óleo e gás nesse novo contexto das energias?
KARINE FRAGOSO – O mercado de óleo e de gás é um mercado de demanda, que compra e que compra tudo, de todo mundo, de todos os setores. Ele ativa um número muito grande de setores para poder suportar as atividades de produção, de exploração, de tratamento, de transporte, de escoamento e distribuição desse produto. Então, é um mercado super comprador. Importante dizer que esse mercado vai continuar em crescimento.
CE – Então, mesmo nesse novo cenário, há espaço para o crescimento da produção no setor de petróleo e gás?
KF – A gente tem expectativa de dobrar a produção de óleo nos próximos anos. O gás continua fazendo um caminho de construção de maturidade nos mercados estaduais e no mercado nacional de gás. A gente vê o Nordeste bem posicionado, reduzindo concentração de mercado, inserindo novos fornecedores, trazendo uma multiplicidade de atores. Então, a gente vê esse mercado de óleo e de gás com um caminho largo e alongado, quando a gente está olhando na questão do tempo, a partir das evidências de que a gente tem, sim, um óleo que é competitivo; um óleo que é viável economicamente e que vai suportar ainda por muito tempo, muitas economias, não só a economia do Brasil.
CE – O setor de petróleo e gás também está se adequando à demanda de sustentabilidade no setor energético?
É importante dizer que o mercado de óleo e de gás e a renda desse mercado já vêm suportando o desenvolvimento de uma série de tecnologias, que hoje são adicionadas no desenvolvimento das energias sustentáveis. E é também essa renda, dessas grandes empresas de petróleo e gás, e também das menores que vêm sendo inseridas no Brasil, é através dessa renda que vai ser construída a passagem para essas novas energias. E é uma passagem que a gente precisa entender que é uma passagem de adição, e não de subtração. O que a gente quer dizer é que a gente vai continuar fazendo eficiência energética, a gente vai continuar fazendo transição energética, seja na produção, seja no consumo. Mas a gente precisa, também, fazer e capitanear o que a gente chama de integração energética, a partir de várias fontes que vão conviver e precisam conviver harmoniosamente para a gente ter um mercado mais desenvolvido, proporcionando mais crescimento para o país como um todo.
CE – De que forma a presença dos operadores independentes na operação de ativos que pertenceram a Petrobras contribui para a retomada do crescimento da produção?
KF – A presença dos operadores independentes é fundamental para a retomada do nosso onshore. Por muitos motivos. Um deles é pela captura, pela atração de recursos financeiros para desenvolver as atividades terrestres no Brasil. Você ter recurso financeiro para investir. Uma outra questão que a gente pode abordar, também, é que, pelo tamanho da Petrobras, ela tem uma série de proteções, ela tem um rigor que ela precisa ter com relação às suas contratações e às suas operações, por ser do tamanho que ela é. Então isso cria uma forma de fazer, que é uma forma mais burocrática, que demanda mais tempo e, portanto, resulta num custo maior do como fazer.
CE – E qual o diferencial, então, que produtores independentes adicionam ao mercado?
KF – Quando a gente está trabalhando com uma operadora independente, que traz modernidade, que traz uma visão de um processo mais simplificado, mais direto, a gente atribui velocidade a esse processo e atribui uma nova cultura de fazer com eficiência, também agregando eficácia e competência. E isso acaba sendo evidenciado, percebido nos resultados que essas empresas vêm apresentando. Rapidamente essas empresas conseguiram converter uma curva de produção, agregando crescimento nas suas curvas de produção, tanto no petróleo quanto no gás, obviamente, a depender dos ativos. Mas é muito evidente que, através das independentes, a gente deu velocidade para a produção dessas reservas.
CE – O Rio Grande do Norte voltou a figurar como o maior produtor de petróleo onshore do país. Qual o papel do estado, especialmente dos municípios da região de Mossoró, nesse processo de retomada da produção em terra no Brasil?
KF – Mossoró tem um histórico de atuação nesse mercado de óleo e de gás, de produção terrestre de óleo e de gás. E, mais do que essa participação histórica, não só de produção, mas também de articulação para a retomada do onshore, para esse novo cenário que o onshore está realizando no Brasil, com a atração dos novos investidores, das novas operadoras. O papel de Mossoró foi central. E hoje, quando a gente olha para o que foi feito e o que está sendo desenvolvido, e quando a gente olha para o futuro, a gente percebe que esse mercado pode voltar a dinamizar com força as atividades em Mossoró, no entorno de Mossoró e para além de Mossoró, quando a gente está olhando para o Rio Grande do Norte. A gente não fala só do onshore. No Rio Grande do Norte a gente também tem ativos no offshore. Então, a gente entende que a atividade de produção de óleo e de gás no Rio Grande do Norte é uma grande oportunidade de atrair investimentos, de dinamizar a economia do estado e melhorar o PIB (Produto Interno Bruto) per capita do estado, trazendo desenvolvimento social e econômico para o estado, atraindo empresas, não só que vão atuar diretamente no suporte às atividades de produção, mas também aquelas que virão para suportar as necessidades de habitação, de alimentação, saúde, educação etc.
CE – No final de março, a Petrobras suspendeu a venda de ativos à iniciativa privada, dando sinais de que pode desistir de negócios e retomar investimentos em campos terrestres de petróleo que seriam operados por empresas independentes. A medida preocupa a Onip?
KF – Nós temos plena confiança de que o que está contratado vai ser respeitado. A Onip tem como grande propósito a abertura de mercado para oportunizar a participação cada vez mais firme e forte da indústria nacional. E é só a partir da multiplicidade de agentes, das novas culturas e dos novos modelos de contratação que são inseridos através dos novos operadores que chegam para constituir esse mercado de óleo e gás, é que a indústria nacional poderá ter uma visão de médio e longo prazos e poderá realizar os investimentos necessários para construir, junto com os operadores, esse novo ambiente de demanda no mercado de óleo e de gás no Brasil.
CE – A Onip realizou nesta semana (entre os dias 11 e 13), em Maceió (AL), a Onshore Week. Quais novas perspectivas de mercado e de oportunidades no onshore brasileiro o evento debateu?
KF – Essa segunda edição do Onshore Week, em Alagoas, consolidou esse fórum como um fórum estratégico e como um fórum de pensar o amanhã. Foram vários temas debatidos. Nós abordamos desde a construção de alianças entre os operadores, no sentido de formação de consórcios de compra de atividades, como a visão de integração, de conhecimento entre o ambiente onshore e offshore. A gente precisa entender que o onshore foi o berço do offshore. A partir do onshore a gente começou a construir o caminho para alcançar o offshore, e o onshore novamente começa a construir um caminho para o gás do offshore, na medida em que, a partir do onshore brasileiro, a gente vê a redução de concentração de mercado, com a participação de novos fornecedores. Para além disso, foi tratado com relação à construção de maturidade do mercado de gás no Brasil. Um trabalho intenso, em paralelo, pelo alinhamento da proposta da lei estadual de Alagoas.
CE – Houve algum tipo de comprometimento neste sentido?
KF – Vimos reuniões e o compromisso muito forte no evento, tanto do ministro dos Transportes, Renan Calheiros Filho, quanto do governador Paulo Dantas e dos representantes da Assembleia Legislativa na construção de uma lei estadual de gás harmonizada com a lei nacional, no sentido de ter uma lei que seja, de fato, uma lei que atraia o investimento e que dinamize a atividade econômica do estado de Alagoas, a partir da produção do gás. A gente pode citar, buscando acompanhar no que a gente chama de competição olímpica saudável, o que foi feito pelo estado do Rio Grande do Norte, com a aprovação recente da sua lei estadual.
CE – E em termos de investimentos, alguma ideia levantada no evento?
KF – Para além do gás e da produção do óleo, nós conversamos também com alguns investidores, que fizeram pontuações em relação à nova geopolítica do mercado de óleo, de gás e das energias como um todo, de como nós aqui somos impactados por decisões externas, e como nós podemos responder a esses impactos, com uma proposta ou com planejamento de investimento bastante robusto, bastante bem ancorado – uma visão de construção de novas oportunidades para novos investimentos, as empresas muito compromissadas. Nós comemoramos também o closing da Seacrest, que foi acordado e divulgado pela própria Petrobras. Então, é mais um avanço na inserção e no fortalecimento e consolidação das empresas independentes no Brasil, e isso dá um novo fôlego, como foi o evento como um todo. Foi um grande iniciar de ano. Agora é tomar fôlego para a gente construir um próximo ano de trabalho vitorioso.
CE – Para finalizar, na sua opinião, é possível alinhar as novas oportunidades no setor com o processo de descarbonização, já tão presente em demandas mundiais?
KF – Não só possível como é exatamente isso que a gente vem fazendo. É, de fato, uma oportunidade. As oportunidades que a gente encontra, no mercado de óleo, de gás e de energias, respondem à oportunidade de a gente descarbonizar, em vários aspectos. A gente costuma falar sobre a eficiência energética, sobre a transição energética, porém, mais que isso, sobre a integração energética. E um ponto que foi colocado no Onshore Week – e que é interessante a gente ressaltar – é que, para a redução da emissão de CO2, a gente pode não só reinjetar, mas também utilizar a produção de gás para fixar esse carbono em produtos que vão evitar a emissão desse carbono na atmosfera. Produtos petroquímicos, por exemplo; produtos que podem colaborar com esse processo de descarbonização. Então, é interessante entender que a gente tem mais de uma rota para a descarbonização, e a rota de eliminar os combustíveis fósseis não é uma rota única. Na verdade, ela é uma rota a favor da construção de outras rotas que podem ser apoiadas por tecnologias, inclusive pelo próprio mercado de produção de óleo, de gás. Ou seja, esses mesmos combustíveis fósseis vão poder promover essas rotas de descarbonização de forma mais inteligente, agregando valor à produção.