Em entrevista ao CANAL DA ENERGIA, o professor Ednardo Pereira da Rocha, da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa), analisa o papel de Mossoró no cenário de crescimento das energias renováveis.
Ele é docente do Departamento de Engenharia e Tecnologia da Ufersa; professor do curso de Engenharia Elétrica e do Programa de Pós-graduação em Engenharia Elétrica (Mestrado); e atua nas áreas de Energias Renováveis, Proteção de Sistemas Elétricos e Eficiência Energética.
Confira.
CANAL DA ENERGIA – Qual a posição de Mossoró hoje no contexto das energias renováveis?
EDNARDO PEREIRA DA ROCHA – Mossoró está em região privilegiada geograficamente, por ser localizada entre regiões que obtiveram grande incentivo para instalação de usinas eólicas, desde o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica). Então, com o incremento da energia solar fotovoltaica, usinas, antigamente apenas eólicas, hoje são eólicas e solares. Portanto, consegue aproveitar infraestrutura de subestações e linhas de transmissões já existentes. Há subestação em Tibau, que possui boa conexão com a subestação de Mossoró. Toda a energia gerada é injetada na nossa região e distribuída para todo o Nordeste.
CE – E no quesito mão de obra? Qual o panorama?
EPR – Além de ser polo por ter grande subestação, Mossoró se destaca também por dispor de alto contingente de mão de obra qualificada. É uma cidade universitária, com diversas instituições de ensino superior, e que tem grande oferta de mão de obra de nível técnico. Nos últimos anos, Mossoró e região sofreram bastante com o desinvestimento no setor de petróleo, e muitos profissionais dessa área migraram para a área de energias renováveis. Ou seja, contingente técnico de grande experiência, profissionais experientes. A tecnologia muda um pouco, mas a experiência faz com que assimile mais rapidamente informações, equipamentos.
CE – Ou seja, Mossoró também é referência em mão de obra qualificada.
EPR – Sim. Mossoró, além de ser polo estratégico de recebimento dessa energia, consegue fornecer para as empresas um nível profissional bem adequado para esse tipo de serviço. Embora que atualmente, com a compra de poços da Petrobras por empresas privadas, muitos profissionais estejam migrando para a área do petróleo por ver perspectiva boa em investimento das empresas locais, que estão resgatando esses profissionais mais experientes para trabalhar novamente no setor de petróleo. Isso é bom e ruim. Bom, porque consegue movimentar novamente a cadeia do petróleo, que está voltando, e vai abrir novas vagas no setor de energias renováveis. Ruim porque retira profissionais experientes das renováveis, o que nem chega a ser tão grave, porque Mossoró está sempre formando novos profissionais.
CE – De que forma Mossoró poderia se beneficiar mais desse boom das energias renováveis, que tem o Rio Grande do Norte como protagonista?
EPR – Muitas empresas do setor de energia renovável estão montando escritórios administrativos em Mossoró para aproveitar estrutura, profissionais, evitar deslocamento, embora as usinas não fiquem dentro da cidade, mas nas regiões próximas. O que falta ainda na nossa região são dois pontos. Primeiro: a questão logística. Ainda não dispomos de grandes centros de distribuição de equipamentos para as usinas próximas. Não dispomos de centros de produção desses equipamentos. Então, Mossoró acaba sendo praticamente uma rota para as usinas da nossa região. Os equipamentos vêm de fora, passam por aqui e vão embora. Não ficam armazenados, não são produzidos na nossa região.
CE – E qual o segundo o ponto?
EPR – O segundo ponto é que Mossoró necessita de se tornar um centro de pesquisa em energias renováveis. Temos a promessa do presidente da Petrobras (Jean Paul Prates) de investir na nossa região em energias renováveis. Pois a Petrobras tem se tornado uma empresa de energia e, portanto, temos boas perspectivas quanto a isso. Mas ainda estamos engatinhando em pesquisas em energias renováveis, especificamente em energia solar e energia eólica.
CE – E em relação ao hidrogênio verde? O que Mossoró precisa fazer para não perder o timming dessa tecnologia, que é considerado o combustível do futuro?
EPR – A questão do hidrogênio verde precisa pensada a curto prazo. É a fonte de energia do futuro. Principalmente no tocante à mobilidade; muitos veículos serão movidos a hidrogênio verde. A gente às vezes se ilude com a questão de veículos elétricos. Mas, na mobilidade, haverá demanda maior de veículos movidos a hidrogênio verde, entre outras dezenas de aplicabilidades.
CE – Do que advém o hidrogênio verde?
EPR – Como o próprio nome diz, o hidrogênio verde precisa de uma matriz limpa, uma matriz verde. Precisa de uma fonte alternativa de energia limpa, transformando em hidrogênio verde. Porque o processo de produção do hidrogênio já é conhecido. Mas só é verde, se produzido a partir de uma fonte limpa de energia. Na verdade, uma coisa está ligada a outra. Precisamos ter uma matriz bem consolidada. Precisa ter pesquisa.
CE – A Ufersa já está trabalhando em pesquisa sobre hidrogênio verde?
EPR – Nós temos muito interesse na Ufersa, inclusive, de trabalhar com hidrogênio verde. Estamos buscando projeto, recursos, para trabalhar com isso em médio prazo. Precisamos de incentivos também. Porque hoje só temos as usinas eólica e solar por causa dos incentivos. Fora do Brasil, a tecnologia já é bem madura. Mas a solar, por exemplo, só temos 10 anos de energia solar no Brasil, mas já utilizada fora do Brasil há décadas. Na verdade, repito, uma coisa está conectada a outra.
CE – E qual o papel das universidades, como um todo, nesse processo?
EPR – O papel da academia nesse sentido é buscar parcerias, recursos, para tocar os primeiros projetos. E, em relação à aplicabilidade, a gente não consegue nem listar as aplicações possíveis do hidrogênio verde. Pensamos em formar uma equipe de caráter multidisciplinar, que envolvam conhecimentos das áreas química, elétrica, mecânica, de materiais. A parte das energias renováveis, a gente já domina bem. Mas a transformação da energia em hidrogênio verde é algo que nós precisamos buscar. E digo, nós, como brasileiros, porque precisamos ter esse ponta pé para tomar a dianteira nesse processo. O Brasil hoje tem fonte extremamente limpa de energia, se comparado a outros países. Portanto, temos capacidade, e acredito que, a depender do andamento dos rumos da Petrobras, haverá, sim, incentivo para produção de hidrogênio verde.