Um estudo recente do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) sobre os aspectos jurídicos das relações contratuais entre as usinas de energia eólica e a população nordestina apontou graves abusos por parte destas empresas. O mapeamento, inédito, sobre 50 contratos celebrados com pequenos proprietários da região rural do Nordeste para instalação de torres de energia eólica e transmissão de eletricidade em suas propriedades identificou benefícios apenas a um lado: das empresas, além de prejuízos aos donos das terras exploradas.
Elaborado em parceria com o Plano Nordeste Potência, o levantamento foi realizado após denúncias e manifestações contra as condições precárias e injustas a que as comunidades são submetidas ao serem obrigadas a arcarem com o ônus de grandes projetos de energia eólica em suas propriedades.
As cláusulas contratuais impõem, aos proprietários dos territórios negociados, remunerações baixíssimas, sigilo absoluto (o que sugere má-fé) e período longo de vigência sob pena de multas elevadas em caso de descumprimento e/ou rompimento do contrato, pouquíssimas contrapartidas sociais, acordos contrários aos interesses comunitários, entre outros dispositivos prejudiciais aos donos das terras.
Além disso, os contratos-padrão se diferenciam somente nas especificações dos locais, dos proprietários e dos valores, inclusive, apresentam os mesmos erros ortográficos, evidenciando elaboração unilateral e acordo por adesão, sem nenhum debate prévio com as comunidades diretamente envolvidas ou assistência de instituições públicas para assegurar isonomia nas negociações.
Contratos abusivos
O relatório do Inesc afirma que a vulnerabilidade destas populações, em virtude dos baixos níveis de renda e de escolaridade e do total desconhecimento técnico, jurídico e econômico-financeiro, favorece a exclusão, a supressão de direitos e o distanciamento de debates e de processos decisórios, e consequentemente, a concentração de renda e de terra e as desigualdades socioeconômicas.
Para o assessor político do Inesc, Cássio Cardoso Carvalho, o levantamento revelou um novo aspecto de uma histórica e triste realidade no Brasil: “O racismo estrutural contra negros, indígenas, quilombolas e outras comunidades tradicionais, que sempre foram marginalizados dos espaços de debate e decisão, agora se perpetua em um modelo injusto, que garante lucro para poucos no grave contexto das mudanças climáticas”, diz.
O relatório alerta para a busca urgente de soluções corretivas e preventivas. A energia eólica já corresponde a 11,8% de toda a oferta de eletricidade gerada no País e tende a crescer nos próximos anos. O Nordeste responde por 93,6% de toda a capacidade de fornecimento desta modalidade energética concentrada na Bahia, no Ceará, no Piauí e no Rio Grande do Norte.
Soluções
De acordo com o Inesc, a ideia é colaborar com estratégias de mitigação, enfrentamento e construção de salvaguardas, bem como provocar o diálogo entre as devidas instâncias do poder público para mudar estas relações contratuais.
O relatório aponta como soluções: acompanhamento e fiscalização das negociações e dos contratos pela agência reguladora (Aneel) e pelo Ministério Público para proteger as comunidades mais vulneráveis; salvaguardas contratuais com parâmetros definidos sobre valores pagos pelo uso da terra na geração de energia; e mecanismos de arbitragem para revisão de cláusulas contratuais onerosas excessivamente em direitos e obrigações, equilibrando os interesses e as necessidades das empresas e das comunidades na relação negocial.
“Acreditamos em uma transição energética com justiça social, não apenas uma substituição de fontes, que não vem respeitando a existência, os anseios e as necessidades das comunidades tradicionais, sobretudo no Nordeste. É preciso debater e discutir a forma como a transição vem se materializando no Brasil, para que, de fato, possamos erradicar a pobreza e injustiça energética, além de descarbonizar nossas matrizes”, afirma Carvalho.
Fonte: Inesc